Hyperliquid: A Exchange Realmente Se Tornou Descentralizada?

Hyperliquid: A Exchange Realmente Se Tornou Descentralizada?

Traduzido do inglês

Em maio, eu escrevi que a Hyperliquid era um exemplo marcante de CeDeFi — um sistema que utiliza tecnologias de finanças descentralizadas para construir um produto centralizado.

Por “produto”, eu quis dizer sua exchange de perpétuos on-chain. Para mim, parecia como se a Binance decidisse armazenar todos os seus depósitos e dados de negociação não em um banco de dados privado, visível apenas para você e para a exchange, mas em um livro-razão público — que qualquer pessoa pode inspecionar. Ao mesmo tempo, a exchange ainda tinha a capacidade técnica de alterar ou excluir qualquer registro, ou simplesmente recusar-se a processar sua transação.

E era exatamente assim que a Hyperliquid funcionava há alguns meses:

  • Todos os depósitos e negociações eram registrados on-chain;
  • A blockchain tinha apenas quatro validadores — todos ligados aos desenvolvedores do projeto;
  • Um quórum de validadores podia reescrever qualquer bloco ou contrato;
  • E se os validadores recusassem incluir sua transação (por exemplo, um saque), você não tinha como forçar isso.

Para piorar, a negociação só era possível pela interface oficial em api.hyperliquid.xyz ou pelo aplicativo móvel. Se qualquer uma delas caísse, você não poderia negociar — nem mesmo cancelar ordens para liberar colateral para saque.

Mas as coisas mudaram desde então:

  • Qualquer pessoa agora pode se tornar validador na blockchain da Hyperliquid — sem necessidade de aprovação dos desenvolvedores;
  • A exchange ganhou pontos de acesso alternativos via carteiras como Phantom, MetaMask e outras.

Isso levanta uma questão importante: A Hyperliquid finalmente se tornou uma exchange verdadeiramente descentralizada?

O Que Esperamos de uma Exchange Descentralizada?

Nenhum ponto único de falha. Uma exchange verdadeiramente descentralizada não pode ser desligada. Mesmo que um nó ou frontend caia, as negociações continuam pelo restante da rede.

Acesso aberto e liberdade para construir novas interfaces. Quando não há autoridade central para proibir ou restringir nada, os usuários não ficam presos a um único site ou aplicativo. Um protocolo DEX rodando em uma rede pública pode ser acessado de várias formas — por clientes web alternativos, integrações com carteiras ou aplicativos de terceiros. Isso elimina a dependência tanto de um domínio específico (que pode ser bloqueado) quanto dos desenvolvedores do frontend oficial.

Código aberto para contratos inteligentes e infraestrutura. Se o código é fechado, ninguém pode ter certeza de que os desenvolvedores não possuem mecanismos ocultos que lhes permitam manipular negociações ou outros processos essenciais. A transparência do código transforma confiança em segurança verificável.

Controle pessoal sobre fundos de negociação. Em uma exchange descentralizada, os próprios usuários gerenciam os ativos que usam para negociar. Não existe autoridade central capaz de impedir você de criar, modificar ou cancelar uma ordem — e, principalmente, ninguém pode bloquear ou atrasar o saque dos fundos depositados como margem.

Ao mencionar “margem”, refiro-me principalmente às DEXs focadas em futuros e swaps perpétuos. Esse é o segmento onde a Hyperliquid entrou originalmente — e segue sendo o mais demandado entre traders ativos.

Passos da Hyperliquid Rumo à Descentralização

Desde a publicação do meu artigo anterior, a Hyperliquid avançou significativamente rumo à descentralização.

Acesso aberto a validadores. Antes, novos validadores só podiam entrar com aprovação da equipe. Agora, qualquer um pode se tornar validador. As instruções estão publicamente disponíveis e o processo não exige permissão especial — apenas configuração técnica e uma quantidade suficiente de tokens em stake. No entanto, os requisitos são altos: existem apenas 24 vagas para validadores, e para conquistar uma delas é preciso bloquear tokens HYPE suficientes para estar entre os 24 maiores stakers.

A lista completa dos validadores está disponível na Hypurrscan, onde qualquer pessoa pode ver o valor em stake dos validadores ativos e candidatos — e ter uma ideia de quanto HYPE é necessário para validar blocos.

Conjunto de validadores Hyperliquid na Hypurrscan.io

No momento da redação deste artigo, o valor mínimo exigido — definido pelo stake do 24º validador — é 1.689.001,74 HYPE, equivalente a mais de US$ 66 milhões aos preços atuais.

Isto está muito além do alcance da maioria dos usuários, mas para grandes players oferece uma válvula de segurança: se seus fundos ficarem presos na exchange e os validadores ativos recusarem incluir seu saque, eles poderiam — ao menos em teoria — fazer stake suficiente para entrar no conjunto de validadores e validar o saque por conta própria.

Distribuição geográfica dos validadores. Após abrir o registro de validadores, a rede cresceu rapidamente. Novos participantes incluem pools experientes e validadores profissionais como Imperator, B-Harvest, Alphaticks, ValiDAO, entre outros. Eles operam em diferentes jurisdições, reduzindo o risco de falhas simultâneas ou interrupções coordenadas.

No guia oficial de staking destaca-se que detentores podem delegar seu stake a qualquer validador — e movê-lo livremente entre eles. Isso dá à comunidade poder para redistribuir votos e reagir a possíveis quedas entre nós importantes. Nenhum validador é indispensável.

Evolução do código aberto. O projeto vem publicando gradualmente partes do seu código no GitHub. Ainda não há transparência total, mas já permite à comunidade revisar como o consenso é implementado e contribuir com melhorias. Essa abertura também estimula o crescimento do ecossistema: em setembro de 2025, a Hyperliquid realizou seu primeiro hackathon presencial — sinalizando engajamento ativo com desenvolvedores e incentivo à participação.

Múltiplos pontos de acesso. A Hyperliquid não está mais presa ao frontend oficial. Agora é possível acessar a exchange diretamente por várias carteiras populares. O destaque vai para a integração da MetaMask, que oferece negociação perpétua diretamente na interface; além disso, a Infinex — frontend descentralizado lançado pela equipe da 1inch — utiliza a Hyperliquid como backend para negociação de derivativos.

Negociação via Infinex

A chegada desses pontos alternativos significa que mesmo se o site da Hyperliquid sair do ar, traders ainda podem interagir com o protocolo por outros aplicativos. Na prática, o monopólio do frontend acabou: a rede está acessível por múltiplos clientes, tornando-se muito mais resistente à censura e falhas técnicas.

Todas essas mudanças mostram uma movimentação clara e deliberada da Hyperliquid para eliminar pontos centrais de controle. O projeto vem respondendo ativamente às críticas da comunidade — ampliando o conjunto de validadores, reduzindo sua própria influência, abrindo tecnologia e promovendo integrações.

No roteiro técnico da Hyperliquid para 2025 consta explicitamente o objetivo da “Descentralização Total”: um processo multiestágios previsto para durar entre 6–12 meses. Embora essa transformação ainda não esteja concluída, hoje a Hyperliquid é bem diferente daquela sobre a qual escrevi no primeiro artigo.

Avaliando a Hyperliquid pelos Critérios de Descentralização

E então: mudou o suficiente para ser chamada realmente descentralizada? Vamos analisar critério por critério:

Controle sobre a rede. Atualmente, quem governa é um conjunto de 24 validadores sem controle direto dos desenvolvedores. Porém, os nós pertencentes à Hyper Foundation detêm 60,5% do stake total dos validadores. Em teoria isso não basta para alterar blocos ou contratos inteligentes — essas ações exigem 66,67%. Mas na prática cerca de 20% do stake total não pertence a validadores independentes; são tokens delegados via programa lançado pela própria Hyper Foundation. Isso significa que esses tokens podem ser retirados dos validadores independentes e redirecionados aos nós da equipe quando quiserem.

Ponto único de falha — uma espécie de “supernó” sob controle dos desenvolvedores — ainda existe invisivelmente. Se decidirem parar a rede enquanto outros continuam produzindo blocos, ainda têm ferramentas para substituir cada bloco por outro vazio.

Acessibilidade e resistência à censura. A Hyperliquid avançou muito ao permitir operação sem depender do site principal. As integrações com MetaMask e Infinex comprovam isso: basta ter carteira e acesso RPC à blockchain. Se amanhã bloquearem o domínio ou desligarem o frontend oficial, basta migrar para outra interface; negociações continuam normalmente — alinhando-se ao ethos DeFi: acesso financeiro sem permissão prévia.

Código aberto. Aqui ainda está em progresso: os contratos inteligentes principais ainda não são totalmente abertos; portanto não há garantia total contra mecanismos ocultos centralizados. Porém fica claro o direcionamento: quanto mais seguros estiverem do código aberto e sua robustez, mais componentes serão liberados à revisão pública.

Custódia e saques. Nada mudou nesse aspecto: continua sendo uma plataforma custodiada como no início. Para negociar perpétuos é preciso depositar USDC, na rede Arbitrum. Esses tokens vão parar num contrato inteligente controlado integralmente pelos validadores Hyperliquid; saques só são processados com aprovação deles. Suporte ao depósito em outras criptomoedas foi adicionado mas complica ainda mais: nesses casos há intermediários envolvidos; assim saques dependem também deles cumprirem suas obrigações além dos próprios validadores Hyperliquid.

No entanto existe solução parcial: ao depositar USDC na Arbitrum no contrato bridge da Hyperliquid você recebe USDC "embrulhado" (wrapped) na blockchain Hyperliquid: esses tokens representam promessa dos administradores do bridge em resgatar depois pelo valor correspondente em USDC real.

Só que ocasionalmente já houve falhas nesse compromisso: diversos usuários relataram perder acesso à interface; sem ela não conseguiam cancelar ordens limitadas nem liberar colateral para saque na Arbitrum.

A partir das novas interfaces disponíveis basta abrir Phantom ou MetaMask importar sua seed phrase cancelar ordens/fechar trades manualmente liberando fundos.

No entanto USDC nativo da rede Hyperliquid não pode ser resgatado diretamente pela Circle; afinal são wrapped tokens sem reconhecimento oficial.

Ainda assim como é principal ativo negociado numa das maiores exchanges on-chain ganhou tração na comunidade cripto.

Dessa forma você pode ir até o site rabbit.io, trocar USDC wrapped por qualquer uma das mais de 10 mil criptomoedas disponíveis — incluindo USDC oficial suportado pela Circle em qualquer rede compatível.

Conclusão

No momento atual a Hyperliquid aproximou-se bastante do status DEX descentralizada eliminando principal falha anterior: dependência da rede sobre círculo restrito ligado aos desenvolvedores.

Pelos 21 validadores independentes com acesso aberto já não existe ponto visível capaz de "desligar" tudo num clique.

Só resta um ponto invisível via tokens delegados pelos desenvolvedores aos validadores independentes podendo ser retirados instantaneamente.

Evidentemente há espaço pra evoluir mais (ex.: servidores API seguem centralizados).

No entanto importa sobretudo o direcionamento: projeto declara repetidamente buscar protocolo totalmente aberto/resiliente; passos recentes confirmam seriedade dessa meta.

Dessa forma hoje já não é exemplo CeDeFi; sim plataforma caminhando rumo à verdadeira descentralização.

Caso equipe siga abrindo mão do controle logo deverá cumprir todos critérios DEX descentralizada (100%) tornando-se protocolo totalmente on-chain fora do alcance de qualquer entidade única.